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Cláusulas limitativas do dever de indenizar em contratos de M&A [TozziniFreire Advogados]

Um dos pontos mais importantes na negociação de operações compra e venda de empresas (“M&A”) são as cláusulas que regulam o dever de indenizar. Isso ocorre porque a definição dos parâmetros de indenização possui uma relação intrínseca com o preço de aquisição dos ativos negociados e a alocação de responsabilidades entre as partes por eventuais contingências.

 

Deste modo, na definição da indenização em contratos de M&A, é essencial levar em conta o que já foi considerado no preço acordado e alocar a responsabilidade das contingências ainda não refletidas. Logo, se a empresa alvo ou o ativo negociado apresentarem passivos que já tenham sido considerados no preço de aquisição ou provisionados no balanço da empresa alvo, não faz sentido que esse valor possa ser objeto de indenização futura, estabelecendo uma onerosidade duplicada. Da mesma forma, é necessário criar um mecanismo para que as partes possam reaver valores decorrentes de passivos pelos quais não tenham dado causa e que não tenham sido considerados no preço da operação.

 

Importante ressaltar que essa indenização não se configura nos parâmetros estabelecidos pelo Código Civil. Nos contratos em que não haja uma das partes em posição de hipossuficiência ou uma relação consumerista ou trabalhista estabelecida, os conceitos de reparação por ato ilícito podem ser flexibilizados na alocação de riscos do negócio e na definição do escopo da indenização, baseando-se no princípio da autonomia contratual. Assim, o dever de reparar fica restrito ao que é definido como perda no contrato.

 

Existem dois modelos principais que são utilizados nas operações de M&A, embora esses modelos não sejam fixos e muitas vezes possam se misturar na mesma operação.

 

O primeiro modelo, conhecido popularmente como “venda de porteira fechada”, assente no dever de indenizar limitado à quebra das declarações e garantias. Nesse modelo, a partir da troca de gestão, o comprador isenta o vendedor em relação a passivos e contingências cujo fato gerador seja anterior ao fechamento da operação. Esse tipo de operação parte do pressuposto de que as contingências identificadas na due diligence (legal, contábil, financeira, técnica) foram refletidas no preço de aquisição.

 

O modelo mais comum no Brasil, no entanto, é a “venda de porteira aberta” ou, em inglês, “my watch, your watch”. Nesse modelo, as contingências identificadas na due diligence não são necessariamente refletidas no preço, mas são criados mecanismos para que o comprador possa reaver eventuais perdas. Desse modo, as contingências materializadas identificadas no curso da due diligence são refletidas nos documentos da transação, na elaboração das cláusulas e dos anexos, mas não no preço e o vendedor fica responsável por reparar eventuais perdas decorrentes de passivos cujo fato gerador tenha ocorrido antes do fechamento da operação.

 

Na hora de alocar essas responsabilidades, no entanto, é comum estabelecer alguns limites, uma vez que diversos fatores podem interferir no desempenho da empresa ou na materialização das perdas. Assim, o vendedor geralmente busca o mínimo de proteção e previsibilidade na transação, de forma a garantir que não venha a ser responsabilizado por passivos catalisados pela troca de gestão ou que a venda lhe seja mais onerosa que a manutenção do ativo. Nos contratos de M&A, os mecanismos mais utilizados são: cap, limite temporal, de minimis e basket.

 

O cap consiste em definir um limite máximo para o montante indenizável, ou seja, um valor máximo que poderá ser pago a título de indenização. Esse montante costuma ser determinado com base em um percentual do preço de aquisição. No limite, o cap estabelece o quanto o vendedor está disposto a restituir ou perder em relação ao valor de seu ativo diante da materialização de contingências relevantes.

 

A limitação temporal, como diz o nome, estabelece um prazo para a responsabilidade do vendedor pelos passivos. Para o comprador, é vantajoso que esse prazo seja estabelecido de acordo com o prazo prescricional das contingências do ativo. Assim, por exemplo, se a empresa alvo possui mais contingências civis, deve-se considerar um prazo prescricional de 5 anos. No caso de contingências tributárias, o prazo seria de 6 anos (5 anos contados a partir do próximo exercício). Além disso, no caso de contingências ambientais, essa cláusula se torna ainda mais relevante, pois o crime ambiental é imprescritível e a própria natureza do dano ambiental dificulta a alocação de responsabilidades no tempo.

 

Por sua vez, o mecanismo de de minimis evita que perdas envolvendo pequenos valores sejam apresentadas para pagamento ao vendedor com frequência. Ele estabelece um valor mínimo para que uma perda seja considerada indenizável, o que significa que perdas que não atinjam esse valor não são compensáveis, mesmo que observem os demais critérios estabelecidos nos documentos da transação. Normalmente, esse valor é relativamente baixo, calculado levando em consideração tanto o valor total da transação quanto os valores médios envolvidos em perdas que podem ser incorridas por uma parte beneficiada pela indenização.

 

Entretanto, o mecanismo de de minimis não costuma ser visto com bons olhos pelo comprador, uma vez que essas perdas não são cumulativas e, caso venham a se somar, podem resultar em um alto montante não indenizável. Por esse motivo, é mais comum que o comprador prefira a utilização de uma cesta (basket), mecanismo que estabelece que qualquer pagamento de indenização só será realizado quando um valor mínimo estabelecido no contrato for atingido.

 

A negociação dessas cláusulas limitativas, no entanto, depende das características da operação e do ativo negociado, bem como do grau de confiança entre as partes durante a negociação. Além disso, dentro de cada um desses limites, existem diversas discussões e configurações que podem ser acordadas para melhor acomodar as expectativas das partes.

 

Devido ao impacto relevante da negociação das indenizações no preço da operação e à prática comum no Brasil de realizar negociações na sistemática “my watch, your watch”, fica evidente a importância dessas cláusulas para o sucesso financeiro das operações e de um bom assessoramento no momento da negociação.

 

Isabelle Montezano Ziolkowski / João Ribeiro da Costa

TozziniFreire Advogados

Fonte: Assessoria

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